Imaginava que agora estaria com uma série de slides pronta para apresentação. Mas como sou apaixonada por temas como feminismo, questões de gênero, empoderamento da mulher, violência doméstica e afins, não pude deixar passar uma notícia que vi.
No meio dos posts aleatórios (ou nem tanto) do Facebook me deparei com um texto sobre a esposa de um jogador de futebol americano que foi agredida até ficar desacordada, Janay Palmer. O nome do agressor é Ray Rice (mais sobre isto). E sim, ela tinha decidido continuar com ele.
No texto, a repórter aprofundava a discussão sobre violência doméstica, indo além do manjado (e nocivo) "Por que ela não vai embora? Por que ela fica?". Ao final, indica o vídeo abaixo, da Leslie Morgan, que é dos mais esclarecedores que já vi sobre violência doméstica. E, sim, esta mulher alta, loira, palestrante do TED, formada em Harvard, já teve arma apontada para cabeça inúmeras vezes. Pelo cara que ela amava.
A verdade que ela expõe brilhantemente é que o agressor não chega um dia simplesmente e diz: "olha, sou violento e vou fazer da sua vida um inferno". O primeiro estágio é da sedução, do encantamento. Como a Leslie explica, ele adora tudo o que você faz. Admira todas as suas características, suas conquistas. Quer saber tudo a seu respeito. Expõe os traumas que possui (e que vão servir mais tarde de justificativa para as más atitudes), conta segredos. E te faz pensar que você está no controle do relacionamento.
Depois começa o isolamento: no caso dela, envolveu uma mudança de casa, motivada pelo "sentimento de segurança e confiança que ele possuía por estar comigo". Que belo, não? Outras vezes, o processo de isolamento é mais sutil.
E finalmente, a violência. Tipicamente ela é precedida de intimidação, ameaça, Coisas como exibir força, contar histórias de brigas em que já se envolveu (e ganhou), portar armas carregadas. Depois, "às vias de fato".
Então, por que ela não vai embora? Aí vem a frase que achei mais chocante neste vídeo: "Eu não me via como uma mulher agredida. Eu me via como uma mulher forte, que tinha um relacionamento com um homem profundamente perturbado, e eu era a única que podia compreender e ajudar".
A auto-imagem tem tudo a ver com a falta de reação. E esta imagem de força por vezes é reforçada pelo próprio agressor: no caso do jogador, que mencionei no começo, ele publicamente elogiou a esposa, dizendo que ela era uma "mulher forte". Entende como isto fecha o ciclo?
Alie-se a isto a visão deturpada que se expõe de que "amor é sacrifício", "quem ama tudo suporta", que legitima agressões, abuso e sofrimento: temos, então, um prato cheio para ficar.
Ah, e quando finalmente acontece algo tão drástico que tira a pessoa da fase de negação e ela acorda, vem o problema: é perigoso deixar um agressor. Disso eu não sabia: a maioria dos assassinatos de violência doméstica ocorrem quando a vítima vai embora. Afinal, o agressor não tem mais o que perder.
Se você está passando por isto, um recado:
Minha amiga, amor não cura ninguém. E eu sei que é bem provável que você o ame. Mas o que cura (e olhe lá), é medicação e terapia. Ou esquece-se cura, e vamos apenas à cadeia.
Você não super-poderes, e nem a obrigação de salvar ninguém. Você está num relacionamento, e isto não pode ser um fardo, um sofrimento, um sacrifício. Duas pessoas devem estar juntas para enaltecer o que há de bom nelas. Jamais para despertarem apenas seu lado mais negro. E por que falo isso? Porque para quebrar o ciclo da violência é preciso ter em mente, de forma muito clara, o que se espera de um relacionamento. É preciso retomar a perspectiva de como as coisas realmente deviam ser.
Em algum momento você pensou que era culpa sua: se você não tivesse falado isto ou aquilo, se não tivesse se atrasado, se não tivesse vestido aquela roupa...Esqueça! Livre-se deste sentimento. A culpa não é sua. Nenhuma atitude sua pode justificar a violência. Você tenta se controlar na esperança de que as coisas não se repitam. Aqui vai a má notícia: vai se repetir, porque o problema não é com você.
Pessoas não-violentas podem ter atitudes drásticas e descontroladas: gritar, chorar, bater porta, jogar coisas no chão. Ok. Machucar outro ser é outra história.
A vergonha acompanha as vítimas de violência, especialmente aquelas que não se enquadram no estereótipo idiota que se tem da mulher agredida: pobre, sem instrução, dependente financeiramente. Como o vídeo mostra, a violência doméstica não tem cara, não tem cor, não tem endereço. É preciso vencer esta barreira, quebrar o silêncio, e falar. Procure ajuda.
A esperança existe. Há um luz no túnel dos desesperados. E você merece ser feliz.