Prólogo
Aconteceu há alguns anos, mas nunca esqueci.Por um milagre do destino, estava eu num ônibus muito confortável e praticamente vazio, num agradável final de tarde(*). A mente já estava sem preocupações e eu já podia apreciar o pôr-do-sol tranqüilamente. Eis que o ônibus pára e sobe uma criança, um menino dos seus 7 ou 8 anos. Para as outras pessoas era apenas mais uma das que pedem esmolas nos coletivos. Para mim, era a criatura com os olhos mais puros e o sorriso mais doce que já vira.
O Encontro
Eis que ele senta do meu lado. E me pede dinheiro. Pergunto, com ar de riso, o que ele vai fazer com as moedas que eu der. "Vou comprar uma bola". Eu não acreditei muito na história, mas ele me prometeu que era isto que faria. De qualquer maneira, ele já havia conquistado mais um bolso. Entreguei-lhe algumas moedas, lembro que dei a metade do dinheiro que ele me disse faltar para comprar a tal bola.
Um pedido inesperado
Até aí, nada de muito especial. O que me fez gravar aquela tarde num quarto especial da memória foi o pedido seguinte:
"Me dá carinho..."
De início, eu não acreditei no que ouvia. E fiz o que sempre faço quando algo me surpreende: tive uma crise de riso. Ele repetiu o pedido. E desta vez não tive como negar: o pedido parecia extremamente sincero. As crianças pedintes não costumam dizer isto! Ninguém costuma dizer isto! Mas ele disse. E eu atendi o pedido. Acariciei o cabelo dele e ficamos conversando por mais alguns minutos.
Enquanto isto, as demais pessoas no ônibus olhavam para nós num misto de espanto, preocupação e divertimento. Algumas, com alma mais dura, me olhavam como se fosse louca: quem já viu tratar um pedinte daquele jeito? Outras, pensavam como iriam me defender no caso daquele "pivete" me assaltar. Confesso que isso até me passou pela cabeça. Mas só no início.
Alguns pontos depois, ele desceu. E eu continuei, ainda sem acreditar no que havia acontecido.
Depois da surpresa, as reflexões
Nesta tarde a lição não foi de igualdade social ou a tristeza da mendicância infantil. Fiquei pensando em como nós, seres humanos, somos feitos de uma matéria tão sensível. E em como nós nos esforçamos para esconder isto. Quantas vezes estamos a ponto de fazer pedidos pedidos semelhantes ao que ouvi aos que estão à nossa volta, mas não temos coragem.Quantas vezes nos impedimos um sorriso ou uma conversa com um desconhecido, porque estamos ocupados demais com nossa própria existência... E quantas tardes agradáveis deixam de se tornar especiais e inesquecíveis por causa disto.
Fim do episódio
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*Conversa com bêbados, senhoras de idade, galera "da pesada". Ônibus, pra mim, são fontes inesgotáveis de histórias. Também pudera, passo no mínimo 2 horas por dia dentro de algum deles. Considerando que quase nunca eles vêm vazios (em média, existem 50 pessoas lá dentro), e eu pego no mínimo 2 por dia, são 100 seres humanos com coisas pra contar. Nenhuma viagem de carro me daria tal diversidade :-)
(*)Publicado originalmente em 11/01/2006 em http://spaces.msn.com/members/alekcheephany
quarta-feira, abril 26, 2006
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2 comentários:
Simplesmente emocionante! Cara, adorei!!! Sem palavras...
Ah, e quanto ao ônibus, realmente, não tem carro que se compare com a quantidade de histórias que se consegue obter inspiração qd se está num coletivo... Eu que o diga, acho que nunca andei tanto de ônibus como tem acontecido últimamente...rsrs
Té mais!
Estou sem palavras!!!!!!!!
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